sábado, 8 de agosto de 2009

SONHO DE ADOLESCENTE

A primeira e última vez que o Riva entrou no velho Cine Piratininga não foi para ver um filme, foi para assistir à uma palestra sobre álcool e tabagismo. Recebeu o convite de um colega que freqüentava uma igreja evangélica do bairro da Penha.

Naquele tempo, Riva era muito jovem e fazia castelos no ar. De modo que, durante a noite, dormiu mal. Estava muito ansioso. A idéia de entrar naquele cinema mexia com sua imaginação.
Dona Isaura, a mãe do Riva, procurou persuadi-lo a fim de que não fosse ao evento. E começou a tecer comentários desanimadores.

– Aonde tu vais, menino? Tem juízo, criatura! Formiga quando quer se perder, começa a criar asas. Seu Antônio virou um crente assim.

O jovem pouco se importou com os argumentos da mãe. Para ele, o importante era penetrar no Piratininga e ver aquela tela imensa pela frente.

No domingo bem cedo, levantou sem que a mãe o chamasse, tomou um café apressado e se dirigiu à Penha, lá se encontraria com o Edu, colega de escola que fez o convite. A família do Edu era toda evangélica, gente boa e de muita fé.

O Riva desceu do ônibus e encontrou os amigos. Foi uma festa. Depois subiram todos num coletivo com destino ao Piratininga. Este se localizava na Avenida Rangel Pestana, no Brás.
O ônibus parou bem de frente. A essa altura, a Avenida estava tomada de pessoas, nem parecia manhã de domingo. O sol batia por trás do prédio e formava uma imensa sombra que se projetava para o outro lado da Avenida.

É verdade que aquela gente parecia estranha aos olhos do Riva, porém, logo se familiarizou com todos. Momentos depois, estava cercado de novas amizades.

Tão logo abriram os portões que davam acesso à sala de exibição, Riva adentrou com os amigos.
Era algo fascinante e misterioso.

Com o reboliço no recinto, ecoava uma variedade de sons que se expandia para além da tela e, de lá, retornava ampliada envolvendo todo o ambiente. Junto com aquele som confuso de tantas vozes, um cheiro de mofo impregnava o ar. Ali, onde Riva estava, tudo parecia demasiadamente grande, não só a tela, mas também o teto, a imensidade de cadeiras simetricamente distribuídas, a luz meio que lusco-fusco gerada pelas luminárias pendentes; e as colunas, eram gigantescas, pareciam retiradas das moradas dos ciclopes.

Fizeram abertura da cerimônia, várias pessoas tomaram da palavra, exibiram faixas e cartazes contra o álcool e o tabaco, todavia, o jovem estava envolto na magia do velho Cine Piratininga. Como seria a exibição de um filme de cowboy numa tela tão grande? Não sabia nem calcular. Se numa tevê já era bom, imagine o que seria ali.

Finalizando o evento, entoaram cânticos e oraram ao Senhor. A saída foi mais complicada do que a entrada, todo mundo querendo sair a um só tempo. Já era meio-dia e o sol estava a pino com a luz incendiando a Rangel Pestana. Os ônibus passavam devagarzinho para não atropelarem o povo na rua. Passageiros olhavam espantados. Da janela de um coletivo, um homem gritou;
– Reabriram o Piratininga! Reabriram o Piratininga!

Riva perguntou por que o homem espantou-se tanto.

Alguém explicou: “Era que o cine há tempos estava fechado. Só funcionava em ocasiões especiais como aquela; só para essas coisas, não se exibiam filmes.”

Riva entristeceu. Como podia fechar uma casa que tanto divertira uma cidade?

O pai, os amigos dele, gerações e gerações se divertiram naquela sala e agora estava lá jogado às traças, destruindo-se no tempo. Com certeza, seria demolido para dar lugar a um novo arranha-céu.

De volta para casa, não pensava em outra coisa. Estava decepcionado. O sonho de assistir a um bang-bang na imensa tela não se concretizaria. Ficou frustrado.

Em casa, os pais perguntaram por que ele estava triste.

Disse que era dor de cabeça. Almoçou e deitou-se. Dormiu. Durante o sono, sonhou que ficara preso no Piratininga sozinho e, por mais que gritasse, ninguém veio tirá-lo dali. Corria, pulava entre as cadeiras, entrava por um corredor escuro e saia projetado na tela. Da tela, via a multidão que a pouco estivera ali. Todos faziam gestos para que fosse embora, sua presença estava prejudicando um filme que estava sendo exibido, mas ele não conseguia se desgrudar da imagem.

Por represália, atingiram-no com pedras, ovos e tomates, por fim, jogaram-lhe cadeiras. Uma acertou-lhe o braço direito e Riva gemeu alto.

Em seguida, acordou com os pais ao lado, perguntando o que estava acontecendo. Foi então que percebeu os braços presos nas grades do beliche. Deu um sorriso sem graça e foi para sala assistir a um filmezinho qualquer que passava na tevê.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

PRA NASCER BIGODE

Desde que Manuelzinho veio pro Colégio Dom Paulo, a vida dele ganhou novo sentido. Antes, estudava no Santa Catarina, o colégio das freiras que acabara de fechar as portas e não se sabia o porquê.

No início, houve várias indecisões. O pai queria que ele fosse estudar no centro de Guarulhos; a mãe, preferia o Dom Paulo porque era mais perto. Não via com bons olhos esse negócio do filho se aventurar de ônibus em idas e voltas pra tão longe. Além do mais, o Dom Paulo acabara de ser inaugurado.

Manuelzinho, em seu primeiro dia de aula na nova escola, sentiu-se deslocado. Era muita gente. Seus ex-colegas do Santa Catarina estavam dispersos. Uns foram pra outras instituições e os que ficaram na Ponte Grande frequentavam turmas diversas.

Na sétima série B, ele foi matriculado. Lá fez amizades com pessoas diferentes, provenientes de vários bairros da cidade e logo se habituou ao novo espaço.

Dentre os amigos, o Gerson, rapaz franzino, moreno, estudioso e comportado. Este tinha mais experiência de vida; os pais eram feirantes. Manuelzinho era filho de uma família de classe média, portugueses, que há muito tempo moravam na Ponte.

Sábado à tarde, Gerson e Manuelzinho foram à Avenida Guarulhos onde tomaram um ônibus com destino à Penha. Era a primeira vez que saiam juntos. Objetivo: assistir ao filme Titanic (a primeira versão) que estava sendo exibido no Cine Penharama.

O ônibus era um Mercedes-Benz, monobloco, modelo O 321 HL, da Empresa de Ônibus Guarulhos S/A que, apesar de velho, era muito vistoso e conservado, tinha as cores verde-amarelo da bandeira nacional e, por ser sábado à tarde, estava lotado.

No coletivo, eles viajaram em pé. À altura dos olhos, vários painéis publicitários à disposição dos passageiros que se dispunham a gastar tempo lendo propagandas.

Num dos painéis, estava a cabeça calva de um senhor de meia idade. A imagem se concentrava na falta de cabelos do personagem. Abaixo da foto, em letras graúdas, a sugestão de que usando um determinado produto - “calvície, nunca mais”.

“Seu crédito aberto num piscar de olhos” – E a foto estampada de uma morena bonita ao lado. Era o que dizia a propaganda de uma famosa rede de lojas com especialidade em tecidos.

As donas de casa agora poderiam inovar na cozinha usando “o leite do puro coco”.

Remédios para combater lombrigas, hemorróidas, meias para pernas com varizes, panela de pressão...

Ufa! Chega de publicidade!

Desceram próximo à Avenida Penha de França e se dirigiram ao Penharama.

Bilheteria, dropes mistos e a imensa tela pela frente.

Música ambiente orquestrada da boa, mais propaganda na tela até que, enfim, inicia o esperado filme.

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A Filomena adora portugueses que têm bigode, de preferência, bem cheios e cuidados. Acha-os estimulantes. Seria essa a razão dela não dar bolas pra mim? É possível. Se eu tivesse a sorte de meu pai! Mas, mamãe anda falando que eu sou muito novo pra ter bigode igual ao dele. Ainda hoje me olhei no espelho, abaixo do nariz, nem um pêlo se quer! Talvez... Talvez... Bem, se funciona em cima da cabeça, quem sabe não faz nascer bigode!?

Tcham...! Tcham!...Tcham...Tcham!!!!!

PÊLO GÊNIO !!!!!!!