domingo, 20 de dezembro de 2009

Na primeira vez

Cresci, ouvindo de minha mãe, as histórias de atrocidades que Lampião e seu bando cometiam no sertão de Sergipe e toda a região. Eram relatos que por vezes me tiravam o sono. Não entendia como a maldade podia dominar tanto a mente de seres que se dizem humanos.


Naquele dia, em especial, alguém me narrava, pela primeira vez, um episódio que não tinha nada a ver com os cangaceiros e não era a minha mãe quem relatava. Estranhamente era minha cunhada.

O caso está registrado no livro de Gênesis no capítulo 38. Judá casou com a filha de um cananeu e juntos tiveram três filhos: Er, o mais velho; Onã, o do meio e Selá, o mais novo. Naquele tempo, quem escolhia a esposa para os filhos eram os pais. Nesse contexto, Judá escolheu uma moça chamada Tamar para ser companheira de Er. Porém, este era muito perverso e teve morte decretada pelo Senhor. A jovem esposa ficou viúva e sem filhos. Um problemão na época, pois todo homem antes de morrer deveria deixar pelos menos um filho a fim de lhe preservar descendência.

Pra solucionar o problema, Judá, o sogro de Tamar e pai do falecido Er, decide que cabe ao filho do meio, Onã, possuir a cunhada com objetivo de suscitar descendentes ao irmão maldoso falecido. Porém, esse moço agiu de má fé e toda vez que se deitava com a cunhada, deixava o sêmen escorrer deliberadamente pelo chão. Sendo assim, a jovem viúva nunca engravidaria. A atitude egoísta de Onã, em não gerar filhos ao irmão, foi desaprovada também pelo Senhor o qual o eliminou do rol dos vivos.

Como eram apenas três filhos e os dois mais velhos já haviam morrido, a responsabilidade de suscitar descendentes estava nas mãos de Selá, o caçula, só que ele ainda era uma criança. Pra resumir a história que todos já sabem: Tamar teria que esperar que o jovem se tornasse homem adulto.

Bem, enquanto Selá se torna adulto em nossa mente, vamos à outra história.

O relato do episódio bíblico da família de Judá foi para mim mais apavorante do que as histórias dos cangaceiros. Surtiu um efeito que nunca havia imaginado na vida. Momentaneamente, deu-me uma vontade imensa de conhecer mais a respeito da Bíblia e de seus personagens.

A minha cunhada tornou-se uma vítima, no bom sentido. Vivia a atormentando pra que ela contasse mais e mais histórias a fim de saciar-me a mente que estava em formação.

Numa noite, já cansada de tantas histórias e depois de um dia fatigante de trabalho, sugeriu: você deve freqüentar uma igreja adventista. Como na Ponte Grande – em 1975 - não havia um templo dessa denominação, fui encaminhado ao bairro da Penha.

Não sei o motivo que escolhi um sábado, daqueles friorentos, em que a garoa não dá trégua. Cheguei ao Mercado Municipal da Penha e me informei. Segui pela praça lateral, desci pela Avenida Cangaíba e, de repente, encontrei-me na Rua Teresa Assunção nº 45, em frente a um prédio acinzentado. Na fachada, estava escrito: templo adventista. Ali estava o grande templo da IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA DA PENHA. Lugar onde eu freqüentaria cinco anos consecutivos.

Atravessei a rua e subi os degraus que dão acesso ao auditório em que ocorrem os cultos. Adolescente, sozinho como um cão em terreno desconhecido, meio sem jeito, fui recepcionado por um senhor afro-descendente, alto, bem elegante e educado. Desejou-me as boas vindas, perguntou o meu nome, anotou em uma caderneta e empurrou a porta para que eu entrasse. Dias depois fiquei sabendo o nome desse senhor: o irmão Luís Maciel, como era carinhosamente conhecido.

Ao entrar, foi um choque. Não recuei porque as condições não me favoreceram. Era justamente no momento em que eles estavam revisando a Lição da Escola Sabatina, uma espécie de dever de casa diário para os membros que tem que ser avaliada no dia de Sábado na primeira parte da programação. Os professores, de pé, é assim que eles passam a Lição, de frente para a entrada, deram-me todos com os olhos de uma só vez. Meio acuado, sentei-me no primeiro espaço que encontrei vazio. E ali fiquei entocado.

Para alívio, terminou. Mal sabia que era somente a primeira parte que estava chegando ao final. Depois, houve cânticos, saudações e, pasmem, meu nome foi lido lá na frente, e como era visitante, pediram-me que ficasse de pé para que toda a congregação me conhecesse.

Em seguida, entrou um coral composto de umas trinta pessoas entre baixos, tenores, barítonos e contraltos. Homens e mulheres entoavam um Hino que dizia: Santo... Santo... Santo. Deus Jeová... Senti arrepios e, momentaneamente, envolvi-me numa atmosfera celestial.

Cessados os hinos, entra na plataforma um conjunto de homens impecavelmente bem vestidos. Ajoelham-se e oram. Atrás do púlpito, está o pastor.

O sermão girou em torno das dificuldades de se pregar o evangelho na África. O pastor estava em missão naquele continente e, de férias, viera ao Brasil passear. Nada de girafas nem hipopótamos. Os africanos precisavam de mais gente para a obra porque o campo era imenso.

Em casa, tomei a Bíblia e fui ver o que havia sucedido com a família de Judá. A essa altura, o filho mais novo - lembram? - Selá já devia estar homem feito, pronto pra coabitar com a cunhada e dar continuidade ao nome de Er, seu irmão. Isso se o pai dele - Judá - não tivesse caído numa armadilha da nora – Tamar - e deitado com ela pensando ser uma prostituta cultual.

Resumo da história: a criança que estava no ventre da viúva de Er era irmão dele e, ao mesmo tempo, pela lei do Levirato, filho. Só isso? Talvez mais coisas!
Parece confuso? Essa história está resumida. Quem desejar saber os detalhes vale à pena consultar a fonte maior: encontra-se na Bíblia; livro Gênesis, capítulo 38.