domingo, 30 de janeiro de 2011

Nem troféu nem Kichute

Estávamos em 1974, o colégio Dom Paulo fora inaugurado naquele ano. Também, naquela data, houve um torneio de Handebol promovido por nosso professor de Educação Física. Os alunos de todas as turmas se dividiram em equipes. Umas fortes, outras nem tanto. A nossa, formada pela 7ª “D”, era uma das mais fracas de todo o colégio. Lembro-me que tudo fora arrumado de última hora. Alguns colegas tinham um bom conhecimento nesse tipo de competição esportiva, outros, porém, nunca haviam sequer pegado em uma bola de handebol.

Esta era a minha situação. Por isso, neguei relutantemente quando me puseram no time sem o meu consentimento. Mas, o Manuelzinho acabou me convencendo de que nenhum ali era craque no esporte. Que o importante seria competir. Aqueles papos desportivos já tão manjados e desgastados por todos. Acabei cedendo ao convite e permiti que meu nome continuasse na relação da equipe de nossa turma.

Manhã cinzenta de uma quinta-feira, todas as equipes estavam na quadra que existia (ou ainda existe?) na frente do colégio. A ansiedade era visível nos rostos daqueles adolescentes, principalmente, para os iniciantes. Aguardávamos a chegada do professor para que fosse iniciada a competição. Finalmente, pára o Karmann-Ghia em frente ao colégio e ele desce. Vem sorridente como sempre. Com o apito nos lábios, reúne as equipes e dar início o evento desportivo.

Chegou o momento da nossa (7ª “D”) se apresentar. Na hora da apresentação, houve vaias por parte de alguns adversários, mas, surpreendentemente, os aplausos foram muitos e acabaram por sufocá-las.

Na quadra, foi uma negação. Digo melhor: um fracasso geral. Pegamos uma das equipes mais forte do colégio, porém, ganhamos a simpatia da torcida e de outras equipes que torciam pela nossa, desejando que ficássemos na final para facilitarmos a vida delas, todavia não houve apoio que nos salvasse. Éramos fracos mesmos e fomos desclassificados de primeira.

Ao término do evento esportivo, saímos pela Avenida Guarulhos. Uns alegres, nós nem tanto. Para piorar a situação, deu uma forte chuva que inundou toda a avenida. Passamos uma meia hora debaixo de uma marquise esperando o tempo melhorar.

Finalmente, as nuvens se dissiparam e a chuva parou, mas, na avenida, a água descia como se fosse de uma barragem estourada.

Sai, pisando nos pontos mais seguros a fim de não encharcar o Kichute para que estivesse sequinho pro dia seguinte. Não teve jeito, em frente ao posto de gasolina pisei sobre a tampa de uma boca de lobo e ela pendeu pra um lado. Pronto! Lá se foi ele, ao sair do pé, boiando avenida abaixo até que entrou em parafuso noutra boca de lobo e sumiu.

Sem troféu e sem Kichute, cheguei em casa. Somente uma tristeza imensa enchia meu coração.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Nome gringo

No tempo em que a carta era o único meio de comunicação entre o Norte e o Sul, nasceu a primeira neta de Dona Lourença. Esta morava em Sergipe e ficou sabendo do nascimento da netinha por meio de uma correspondência escrita na Ponte Grande e postada na agência dos Correios do centro de Guarulhos.

Dentro do envelope ia também uma linda foto da menininha. Era uma coisinha fofa. Não puxara a família da mãe, todos brancos de olhos claros, descendentes de antigos portugueses que habitaram nas terras sertanejas do Estado Sergipe. Saíra ao pai, mulato, de origem baiana que ao juntar-se à filha de Dona Lourença, resultou numa bela mistura: a autêntica cor brasileira.

Ao receber a carta, Dona Lourença não se conteve de tanta felicidade. E, lá onde residia, saiu a mostrá-la pra toda vizinhança. Era uma forma de compartilhar tanta felicidade, coisa que ela não suportaria sozinha.Numa dessas visitas de divulgação da neta, chegou lá em casa e foi recebida por minha mãe que também compartilhou das alegrias vividas por Dona Lourença. Entre conversas que iam e conversas que vinham a avó afortunada, deixou escapar um descontentamento: o nome da neta. Muito esquisito. Coisas de pessoas que moram em cidade grande. Onde já se viu, colocar um nome tão feio, ou melhor, inapropriado em uma criaturinha tão bonita igual a sua netinha?! Ela falava colocando a mão sobre os lábios, com receios de que outras pessoas ouvissem e fizessem zombaria. Isto não contava. Ela estava muito feliz pra ser aporrinhada. Mas minha mãe insistiu e ela acabou cochichando no ouvido dela o nome tão estrambótico: o nome de minha neta é PANELA! Realmente, era muito esquisito. Não seria um engano? A senhora não leu errado? Como errado! Eu fui alfabetizada pelo mestre Filomeno, quando criança, no tempo em que se usava o chão de areia como lousa de giz. Pois, então tá bom. Fica o dito pelo não dito!

A partir daquela data, dona Lourença começou a fazer planos pra vir a Guarulhos. Visitar a única neta passou a ser uma obsessão na vida.

Chegou o dia tão esperado: Dona Louença desceu na Ponte Grande. Cadê minha netinha? Está aqui sua neta. Ô minha filhinha, você tão bonita, com um nome tão feio! Como assim, mamãe? Respondeu a filha escandalizada. Ora! É o que eu li na carta: PANELA! Nossa, mãe! Que confusão! O nome da menina é Pâmella. Quem mandou você colocar nome gringo em sua filha?