domingo, 23 de janeiro de 2011

Nome gringo

No tempo em que a carta era o único meio de comunicação entre o Norte e o Sul, nasceu a primeira neta de Dona Lourença. Esta morava em Sergipe e ficou sabendo do nascimento da netinha por meio de uma correspondência escrita na Ponte Grande e postada na agência dos Correios do centro de Guarulhos.

Dentro do envelope ia também uma linda foto da menininha. Era uma coisinha fofa. Não puxara a família da mãe, todos brancos de olhos claros, descendentes de antigos portugueses que habitaram nas terras sertanejas do Estado Sergipe. Saíra ao pai, mulato, de origem baiana que ao juntar-se à filha de Dona Lourença, resultou numa bela mistura: a autêntica cor brasileira.

Ao receber a carta, Dona Lourença não se conteve de tanta felicidade. E, lá onde residia, saiu a mostrá-la pra toda vizinhança. Era uma forma de compartilhar tanta felicidade, coisa que ela não suportaria sozinha.Numa dessas visitas de divulgação da neta, chegou lá em casa e foi recebida por minha mãe que também compartilhou das alegrias vividas por Dona Lourença. Entre conversas que iam e conversas que vinham a avó afortunada, deixou escapar um descontentamento: o nome da neta. Muito esquisito. Coisas de pessoas que moram em cidade grande. Onde já se viu, colocar um nome tão feio, ou melhor, inapropriado em uma criaturinha tão bonita igual a sua netinha?! Ela falava colocando a mão sobre os lábios, com receios de que outras pessoas ouvissem e fizessem zombaria. Isto não contava. Ela estava muito feliz pra ser aporrinhada. Mas minha mãe insistiu e ela acabou cochichando no ouvido dela o nome tão estrambótico: o nome de minha neta é PANELA! Realmente, era muito esquisito. Não seria um engano? A senhora não leu errado? Como errado! Eu fui alfabetizada pelo mestre Filomeno, quando criança, no tempo em que se usava o chão de areia como lousa de giz. Pois, então tá bom. Fica o dito pelo não dito!

A partir daquela data, dona Lourença começou a fazer planos pra vir a Guarulhos. Visitar a única neta passou a ser uma obsessão na vida.

Chegou o dia tão esperado: Dona Louença desceu na Ponte Grande. Cadê minha netinha? Está aqui sua neta. Ô minha filhinha, você tão bonita, com um nome tão feio! Como assim, mamãe? Respondeu a filha escandalizada. Ora! É o que eu li na carta: PANELA! Nossa, mãe! Que confusão! O nome da menina é Pâmella. Quem mandou você colocar nome gringo em sua filha?

Um comentário:

  1. É possível perceber as grandes diferenças entre os extremos costumes do nosso povo. A simplicidade do nordestino se faz presente no tempo,modo e lugar, fazendo com que suas caracteristicas sejam macarcantes e imutáveis.
    "OH Garnde Gil", gostaria de resaltar que vejo nos teus textos uma fonte de imformação das mais consistentes do nosso povo, simplesmente fico feliz de saber que posso voltar ao passado sem sequer pegar "o túnel do tempo", se bem que o túnel do tempo na verdade é todo contexto histórico. E a literatura na verdade é uma pura reflexão de acontecimentos historicos, onde se deslumbra a mais bela das artes. Você é arte,
    Parabéns!!!!

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