domingo, 17 de janeiro de 2010

BASTIDORES DA PONTE GRANDE

No início da década de 1970, havia várias fabriquetas de calçados na Ponte Grande. A maioria operando na ilegalidade. Geralmente, funcionavam em fundos de quintais e seus proprietários eram oriundos de estados nordestinos, principalmente, de Pernambuco, da Paraíba e de Sergipe.

O fato de serem clandestinas não significa que eram pequenas e desorganizadas, pelo contrário, algumas delas possuíam um quadro de funcionário numeroso, variando de 10 entre 15 empregados, estes eram distribuídos numa verdadeira linha de montagem, indo do homem que cortava o couro ao moleque o qual empacotava o produto já pronto. A mão-de-obra era suprida por sapateiros nordestinos, mineiros e até paulistas se encontravam entre eles.

A mercadoria escoava-se facilmente pelas feiras livres da capital paulistana, chegando-se até exportar para cidades do interior e, às vezes, vendia-se o excedente também para outros estados, todos da região Sudeste.

Entre os sapateiros, predominavam os pernambucanos e os mineiros, os quais procediam de cidades como Santa Rita do Sapucaí, São Gonçalo e Pouso Alegre. Mas, também era comum encontrar sergipanos, cearenses e paraibanos. Os de Pernambuco procediam em maior número de Caruaru.

O regime de trabalho adotado nas fabriquetas era o da produção, ganhava-se pelo que se produzia, por isso não era rígido nem gerava dificuldades para os proprietários delas. De forma geral, não se trabalhava na segunda-feira nem no sábado, salvo, no fim de ano, época em que havia maior procura pelo produto.

O nível de instrução dos sapateiros era baixíssimo. Poucos eram os que mal sabiam desenhar o nome. Os que conseguiram passar além desse estágio colaboravam com os outros na leitura e na hora de responder as cartas dos parentes distantes. Como o Mobral estava em atividade naqueles anos, alguns se aventuravam a freqüentar as aulas que eram ministradas numa igreja na Penha. Boa parte deixava-se vencer pelo cansaço e se julgavam velhos para estudar.

Quanto ao ambiente de trabalho, não existia precariedade. Os proprietários tinham o maior zelo pela limpeza e organização. Tudo era feito no sentido de causar boa impressão aos clientes que vez ou outra visitavam as indústrias. Um barracão bem apresentável acabava refletindo de forma positiva na hora da compra do produto.

Fato curioso é que havia muita cordialidade entre os fabricantes. Um ajudava o outro naquilo que era necessário. Por exemplo: se o José não possuía uma máquina de estampar o couro, podia usar a de Pedro que, por sua vez, precisava da de José para costurar as peças de calçados. Mais um detalhe interessante: não havia concorrência. Caso José fabricasse sapatinhos para crianças, Pedro só fabricaria sandálias femininas e, assim por diante. Em outras palavras: imperava uma cooperação recíproca. Talvez o fato de que todos tivessem uma mesma origem e um mesmo histórico de vida, acabasse anulando qualquer competição que pudesse surgir.

No interior das fabriquetas, o clima era bem amistoso. Nordestino quando se junta parece tudo irmão. Todos têm os mesmos gostos, o mesmo sotaque, as mesmas marcas inconfundíveis do sol implacável. Não importa de que estado seja, olhar para um é enxergar o outro. De modo que as conversas giravam sempre em torno dos anseios dos iam e das novidades dos que voltavam da terra natal; das saudades, da comida e, principalmente, de um dia fazer o caminho de volta, levando talvez um dinheirinho a mais na bagagem.

Numa dessas pequenas indústrias, trabalhavam dois mineiros. Ambos oriundos de Santa Rita do Sapucaí. Chegavam sempre na segunda-feira pela tarde e retornavam na sexta. Para ganharem tempo e dinheiro, eles desembarcavam num viaduto que havia perto da caixa d’água do Jardim Munhoz, na Via Dutra, vizinho à Borlem. Vinham a pé até a sapataria, onde se preparavam para o trabalho na terça.

Na quinta-feira à noite, um deles ia até o antigo terminal rodoviário da Praça Júlio Prestes e comprava a passagem de volta para o dia seguinte. Este se comprometia trazer também para todos os conterrâneos, não importava o local em que trabalhasse. Isso era prático e econômico.

Certo dia, um mineiro, cujo apelido era Foguinho - torcedor do Bota Fogo do Rio - foi à rodoviária pela primeira vez. Voltou encantado. Nunca havia visto uma coisa tão bonita em toda sua vida. E descreveu: a rodoviária da Praça Júlio Prestes é um encanto. É um mundo colorido. O teto parece um amontoado de balões de todas as cores; há escadas que sobem e que descem; cada uma mais lotada que a outra. E o melhor é que a gente não faz esforço nenhum em subir por elas. Bota o pé naquele trem e, pronto! Ele te leve pra cima; depois, te bota pra baixo. E os ônibus? Saem ônibus por todo lado. Um entra aqui; outro, sai acolá. Parece um formigueiro.

Estava muito empolgado, assumiu o compromisso de ir todas às quintas. Queria conhecer melhor aquele trem bom. Porém, um colega sabedor que ele era muito medroso, falou que odiava aquela rodoviária porque foi lá onde a polícia o levou pro xadrez, pelo fato dele não portar documentos pessoais. Esse incidente o impediu de viajar ao Rio a fim de assistir a uma partida em que o Santos jogaria.

O Foguinho, após arregalar os olhos pro companheiro, disse que, pensando bem, era besteira dele ir à rodoviária todas as semanas. Esquecessem o que havia dito. Quando desse vontade de ir até lá, compraria um cartão postal da Praça Júlio Prestes e, tudo bem, resolveria o problema. (Contato: jilberto.oliveira@yahoo.com.br)

Um comentário:

  1. Olá meu caro amigo.
    É um enorme prazer, ser um seguidor do blog de um pensador, espero está ajudando no que for preciso.
    Abraços, não li ainda seus contos, mas prometo ler, assim que possível.
    Sucesso amigo.

    Jilmaikel francisco de lima

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